quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017



UM PROJETO PEDAGÓGICO OUSADO 



DANÇA E MÚSICA DE QUALIDADE SÃO OFERTADAS À COMUNIDADE ESTUDANTIL DO COLÉGIO ESTADUAL SILVIO ROMERO




Após a abertura política em nosso país, nunca tivemos um cenário tão ameaçador para o ensino público como o que temos hoje. As escolas se encontram sucateadas e as condições de ensino são as piores possíveis. Os avanços tecnológicos e estruturais dos últimos anos passaram anos luz distantes dos nossos estabelecimentos de ensino público, o que contribui para que a cada ano os números que indicam a evasão escolar sejam sempre crescentes. A escola, bancada por todos nós que pagamos impostos, está deixando de ser um lugar interessante. Se for apenas para saber das coisas, o aluno parece estar preferindo sacar seu celular e realizar uma pesquisa que lhe oferte conteúdo num piscar de olhos, a ter que enfrentar a violência das ruas para sair de casa e permanecer trancafiado por quatro horas numa escola suja e escura - e que não oferece o menor atrativo.

O que tem mudado um pouco essa realidade, o que tem contribuído para postergar mais um pouco o decreto de falência total do ensino público? A resposta: projetos pedagógicos revolucionários, encabeçados por professores abnegados, que acreditam na educação enquanto instrumento promotor do crescimento e transformação de pessoas. São alternativas ao aprendizado, propostas por educadores que não se conformam apenas em ler o bê-a-bá para seus alunos. São contribuições de professores que ousam sair da zona de conforto com projetos inovadores, capazes de dar sentido ao processo ensino/aprendizado e de transformarem alunos em sujeitos de suas formações. São propostas de ensino encabeçados por professores e professoras que muitas das vezes se esquecem do não reconhecimento salarial, e saem a driblar a falta de tudo na escola, pelo simples prazer de ver os olhos dos alunos brilharem e derramarem lágrimas quando descobrem que são capazes.

PÁTIO DAS ARTES

Pátio das Artes é um Projeto Pedagógico que foi apresentado à Escola Estadual Silvio Romero no mês de abril de 2016, pela professora que leciona Arte nesse estabelecimento de ensino, Renata Carvalho. Trata-se de uma proposta teatral/musical/cultural inovadora, que descobriu talentos, que revelou capacidades, que motivou, que deu sentido à frequência escolar, que aproximou alunos do ambiente de estudo, que criou vínculos, que harmonizou relações, que disseminou a solidariedade e que tornou um pouco mais prazeroso o ambiente onde os estudantes passam boa parte do seu dia.

Falar de Pátio das Artes é falar de histórias de superações de alunos, mas é também, e principalmente, lembrar do papel de quem idealizou esse projeto. Quem a conhece sabe que a professora Renata é uma pessoa carismática e dedicada ao que faz. Mas Renata tem a mania de sonhar com o extraordinário. E ela sonha, quase sempre com o que parece impossível, mas tem o dom de envolver os alunos no seu sonho - e aí coisas bonitas e difíceis podem se realizar quando passam pelas mãos e crivo da Professora de que falo.

A partir do acolhimento de seu Projeto pela direção da escola, Renata passou a se entregar de corpo e alma a ele, voltou toda sua atenção para o que propôs para seus alunos e para si, preocupando-se com os mínimos detalhes e passou a cobrar - e a cobrar muito!, exigir o máximo de quem aceitou interpretar seu sonho.

Os protagonistas que Renata convocou para seu Pátio das Artes são apenas alunos; não são atores nem dançarinos. Mas se empenharam, assistiram vídeos para pesquisa, fizeram laboratórios, discutiram o tema e cada detalhe que iria compor o trabalho e ensaiaram por dias consecutivos até esgotarem suas forças. E fizeram algo que é difícil nos dias de hoje: aceitar o desafio de encenar e dançar fragmentos da obra de Chico Buarque de Holanda e de ícones do Movimento Tropicalista, além de pensar a poesia de Manuel de Barros para o movimento e se expor intimamente, através de textos que deram corpo ao trabalho, a partir de diferentes linguagens.

Imaginem como é ousada essa professora Renata. Nós vivemos tempos de desmonte total da educação que forma pessoas conscientes; nós assistimos à massificação e banalização da cultura do nosso país, e Renata reuniu um grupo de alunos, de adolescentes em formação, e os colocou no pátio de uma escola, para que os mesmos pudessem ofertar a seus colegas um pouco de Chico Buarque - um dos compositores mais celebrados de nosso país, devido à qualidade e profundidade poética e social de sua obra.

E o que fizeram os alunos de Renata para que tudo saísse do gosto da professora? Fizeram tudo direitinho, capricharam nos trajes, na maquiagem e nos cenários, interpretaram e dançaram feito gente grande!

O PROJETO TORNADO ESPETÁCULOS

O projeto Pátio das Artes foi aberto dia 13 de dezembro de 2016 com o espetáculo Festa, Flor e Alguns Escândalos, Sim!, que faz referência a obras da Semana de Artes Moderna e ao Tropicalismo. O interessante dessa apresentação foi a concretização da ideia de se levar a festa, a alegria e a delicadeza da obra de Villas-Lobos para o pátio da escola. O escândalo do título ficou por conta de abordagens que os personagens fizeram a críticas ferrenhos que Monteiro Lobato escreveu para a obra de Anita Malfatti, em artigo publicado no jornal do Brasil. Foi esse ambiente misturado, colorido e entusiasta que os meninos e meninas instalaram nas dependências do Colégio Estadual Sílvio Romero no primeiro dia de apresentações.

O segundo dia foi comandado por alunos(as) do 3° Ano A, com o espetáculo Tudo que passa em mim é muito. Esse foi um dos trabalhos mais elogiados, inclusive dentro da comunidade escolar, haja vista o teor identificatório do público com o conteúdo explorado. Como a montagem desse espetáculo fez uso de textos construídos pelos próprios alunos - e que versavam sobre problemas sociais comuns à maioria deles, como depressão, problemas escolares, questões familiares, crises existenciais, falta de foco, de determinação e etc. -, muitos dos presentes acabaram se identificando com o que viram e ouviram em cena. Nesse espetáculos são usadas músicas como As Horas, de Oswaldo Montenegro, e poemas, como Mortal Loucura, de Gregório de Matos. Esse espetáculo trouxe ainda diversas canções dramatizadas: De Ontem em Diante, uma poesia do Teatro Mágico - que é uma banda musical; poema Mar, de Helena Boreal - uma lagartense; e ainda A Banda Mais Bonita da cidade, com a música Reza Para um Querubim. Tudo que Passa em Mim foi, portanto, o espetáculo mais denso e introspectivo, e foi também o que fez muitos alunos deixarem o pátio da escola emocionados e chorando.

No terceiro dia foi oferecido aos presentes um espetáculo com referências ao livro O Menino do Mato, de Manoel de Barros. Foram reunidas frases e poesias dessa obra do autor para serem trabalhadas e, para dar vida as apresentações, selecionou-se músicas que complementam o tema, e que faziam alusão à imaginação - Manuel de Barros é um autor eminentemente imaginático, muito leve e que sempre se esforçou em fazer o leitor ver o mundo de uma outra forma. Manoel de Barros é, por excelência, o autor que propõe às pessoas verem o mundo através da imaginação, a partir de uma nova perspectiva. Para dar maior dinâmica a obra literária do autor em questão, as alunas levaram para o pátio uma coreografia com muita brincadeira, apoiada no uso de elástico. A ideia foi resgatar a infância, as brincadeiras de infância.

No quarto e último dia foi apresentado o espetáculo Entre Malandros e Cabarés. Aqui foram utilizadas 07 músicas de Chico Buarque de Holanda, e os protagonistas trouxeram para o pátio do Colégio Estadual Sílvio Romero todo um clima de malandragem e da busca pela conquista da mulher. 

Nesse Entre Malandros e Cabarés, propostos e dirigidos por Renata Carvalho no Colégio Estadual Sílvio Romero, há uma cena em especial - apresentada no último dia, no encerramento, perto do apagar das luzes da apresentação - que encantou e hipnotizou quem assistia, e que coroou de êxito todo um trabalho lindo de quatro dias.

As luzes multicores espalhadas pelo pátio criou um cenário intimista. Uma cadeira foi posta estrategicamente no meio do pátio e uma aluna vestida com a cor do pecado tomou assento e ficou a desembaraçar os cabelos que lhe cobriam todo o rosto. A plateia calou em expectativa. Chico Buarque começou a entoar 'Uma Canção Desnaturada', e a dançarina ficou a acompanhar o ritmo lento da música, sacudindo os braços para a frente, para depois se contorcer e se embrenhar por baixo da cadeira. Em seguida a ''curuminha'' estava ali crescida, apoiando-se no assento, contorno-o como se o objeto fosse seu par animado a lhe fazer a corte. Depois a garota assumiu uma postura soberana e faceira ante a plateia, e prosseguiu com seu bailado como se estivesse se projetando de um ventre, estabanada como crescera.

Era apenas uma aluna aquela menina que Renata transformou ali em dançarina, mas a magia e o encanto se fizeram, o público se encheu de encantamento, ficou extasiado e embarcou no fascínio do teatro e da dança, numa manhã de sol a pino de um pleno dezembro.

Quando cheguei em casa, após acompanhar quatro dias de apresentações, não tive como deixar de enviar uma mensagem para a professora: "Renata, o trabalho que seus alunos apresentaram ao longo dessa semana será aplaudido de pé em qualquer teatro ou casa de espetáculo em que for encenado''.


Agradecimento: À professora Renata Carvalho e à direção e funcionários do Colégio Estadual Sílvio Romero
Fotos: Eduardo Bastos
Fotos: Alunos do Colégio Estadual Sílvio Romero