terça-feira, 1 de setembro de 2015

UMA PRAÇA, UMA CAPELA E DOIS PERSONAGENS QUE UM DIA SE CRUZAM PARA SELAREM SEUS FINS TRÁGICOS


Por muitos anos de minha vida eu e minha família moramos na praça Filomeno Hora. Depois fomos residir na Praça Sebastião Garcez, que é uma praça continua à Filomeno Hora. Nesse tempo era aqui que tudo acontecia. Boa parte do comércio de nossa cidade se concentrava aqui. Todos os shows, festas e concentrações populares aconteciam aqui. Nos dias de sábados e domingos, assim que terminava a missa na matriz, todos os jovens se dirigiam à praça Filomeno Hora para namorar, encontrar colegas, colocar os papos em dia, ou simplesmente desfilar para mostrar as roupas e os sapatos que tinham acabado de adquirir. Como não tínhamos a violência que temos hoje, a juventude desfilava para lá e para cá ao redor da praça ou por entre os canteiros, sem qualquer preocupação. O movimento na Filomeno Hora só tinha fim perto das vinte e três horas. Nesse momento tudo silenciava, e apenas um ou dois guardas sonolentos cochilavam sob o sereno das madrugadas.


Praça Filomeno Hora - 2014
No tempo em que residia na Filomeno hora nunca tive curiosidade em saber porquê essa praça recebera esse nome. Apenas muitos anos depois é que meu interesse viria a ser despertado. É que um dia eu visitava o Povoado Santo Antônio na companhia do meu amigo Paulo Oliveira, quando ele me convidou para visitar um senhor que é se tio, que se chama Turibio – que é um ancião que guarda na memória de boa parte da história do povoado Santo Antônio, e que tem sua casa localizada entre duas capelas e um cemitério.
Seu Turibio é um dos guardiões da memória do seu povoado
Para que compreendêssemos as razões para que uma das capela estivesse naquele local, seu Turibio teve que rememorar o passado. Ele nos contou que em 1902 Filomeno Hora era advogado e juiz de direito de lagarto. Às 16h do dia oito de janeiro do ano em questão, Filomeno, atendendo a apelos de conhecidos, se dirigiu à feira da cidade - que acontecia nas imediações onde hoje funciona a Escola Reunida - para que pudesse interferir numa confusão, em que alguns soldados espancavam e ameaçavam prender dois funcionários do marido da irmã do magistrado, de nomes Severino Ferreira Duarte e Aristides dos Santos.

A chegada de Filomeno Hora à praça foi providencial para pôs fim ao conflito, mas desagradou os policiais, principalmente a Manuel Posthumo Monteiro - que ocupava um posto superior à dos soldados envolvidos no tumulto, e que era tio do homem que tiraria a vida do juiz ainda naquele dia fatídico. Utilizando-se do seu poder, Manuel ordenou aos policiais que fossem buscar armas para reprimir aqueles que ousaram interferir na briga formada no meio da feira.

No retorno dos policiais, aquele que se mostrou mais exaltado foi Adolfo Monteiro. Quando os soldados tentaram intimidar os presentes gritando "afastem-se, senão atiramos", receberam como resposta do magistrado um desafio perigoso: "pois então atirem". O policial Adolfo Monteiro se antecipou aos colegas de farda e alvejou o juiz com um tiro de fuzil que lhe atravessou o corpo.

Após perceber que tirara a vida da autoridade maior do judiciário da cidade de Lagarto, Adolfo evadiu-se do local, e foi parar na Praça do Gome - onde quase veio a ser capturado. Depois Adolfo empreendeu fuga maior e foi se esconder na casa de uma irmã, residente no povoado Santo Antônio.

Às 22h do mesmo dia do assassinato de Filomeno Hora, seu irmão, Alcino Monteiro, se fez acompanhar de alguns amigos armados e saíram no encalce do assassino do juiz. Encontraram-no e o retiraram do esconderijo mesmo sob protestos dos proprietários da residência. Adolfo foi então arrastado para fora da casa da irmã, quando então tiveram início as torturas - que se prolongaram madrugada afora, e só chegaram ao fim quando Adolfo foi atingido por um tiro fatal, no corredor que dá acesso ao povoado Santo Antônio.
Capela construída em memória de Adolfo Monteiro 
Aquela conversa informal na residência do seu Turibio pela primeira vez me fez compreender as razões para que o espaço onde residi por uma boa temporada de minha vida se chamasse Filomeno Hora (antes do assassinato do juiz em plena praça da feira essa espaço se chamava "Praça Forca", em razão de haver mesmo uma forca no meio da praça. Nesse papo com o tio do meu amigo, também fiquei sabendo que no local em que o assassino de Filomeno Hora morreu os moradores da região ergueram uma cruz - e a denominaram de "Cruz de Adolfo". Depois construíram uma capela para que os moradores do Santo Antônio pudessem rezar pela alma daquele que pagou com a própria vida por uma vida que estupidamente ceifou.